PROGRAMA POROROCA


Instituto Casa de Criadores


coletivo adupé





MANIFESTO COLETIVO ADUPÉ


Armadura. Espelho. Camuflagem!

A nossa mente como armadura.

A nossa fé como armadura.

A nossa corpa como armadura.

A nossa pele como armadura.

A nossa voz, como armadura.

A nossa veste, como ARMADURA!

Pensamos a roupa como uma armadura. Para viver e contestar os modos de vida. Para nos camuflar e encontrar rotas de fuga que possam desmontar o sistema do capital, diminuir os danos aos nossos corpos e entendermos quem somos. Para sermos um outro tipo de paramento mimético, uma nova forma de pensar a relação entre o visível e o invisível, daquilo que se molda e se oculta dos sentidos. Para termos uma forma que liberta. Forma que nos possibilita ser super heróis ou não no dia, podendo ser mocinha ou vilã, que faz da pluralidade do nosso ser. Vemos a roupa como um fator determinante. Nossa proteção pessoal perante a realidade. Nossa identificação e pertencimento. Que nos faz combater representações e estereótipos sociais. Transformando a “tal moda”, que controla nossas posturas e corpos, a tornando arte. Arte que cria uma roupa que não só cobre nossa pele. Arte que se torna uma extensão da nossa identidade, nossa armadura-proteção,  que é roupa que resiste, que extrapola e desobedece ao olhar colonial que nos estereotipa. Que comunica um pertencimento, que cria sensações, como que de uma fenda no espaço-tempo da diáspora. Para contar histórias e manter relações de afeto vivas e sob proteção. Para ressignificar a passabilidade, esse estereótipo vivo que transita e transmuta. Monta e desmonta. Fere e protege. Para sermos corpas sempre em movimento, atravessando o tempo, enfrentando obstáculos, vestindo roupas transvestidas de armadura, enfrentando as violências que nos transpassam!



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Pode até ser viado, mas não precisa se vestir que nem travesti
Joana Gabriel 
@brabasdasmodas
RJ

Quando me apontaram o dedo e disseram “viado”, foi me feito acreditar que meu babado era a homosexualidade e a primeira coisa que ouvi da minha mãe foi “pode até ser gay, mas não precisar se vestir de mulher, não precisa ser um travesti”. Todos nós sabemos o'que isso queria dizer e o'que se tratava, não falava somente de usar um shortinho na beira do cu, se diz sobre um local, uma posição. O quanto dura e agressiva foi aquela frase, era um aviso de proteção e de quais armaduras precisaria vestir para transpassar tantas violências.

Aquendar a neca, raspa o xuxu (até mesmo tira na pinça), aplica 2 perlutan para inchar e dar “efeito” mais rápido, bota 500ml no Paulino, bunda na bombadeira, exemplos de armaduras que muitas das travesti utilizam hoje como métodos e técnicas de se camuflarem e/ou diminuírem danos ao corpo. Dentro das minhas singularidades entendi que necessito recriar minha própria imagem para possuir acessos básicos, compulsoriamente utilizar de estereótipos de feminilidade heterocisnormativa para poder utilizar o banheiro, até mesmo para ganhar algum afeto - porque travesti não gosta só de silicone, travesti quer ser amada e o aque dela, vamos dizer a verdade-.

Essa armadura que tanto me protege, me camufla, me torna “passável”, se encontra numa encruzilhada com o aprisionamento, com a limitação. Estamos castelando formas de interromper esse ciclo e criar novas possibilidades, mas não to aqui para te dar solução, só para causar confusão kkk é o seu papel, você mesmo, cis, branco, dono do capital. Você criou essa demanda e a necessidade da criação dessa carcaça, agora você pensa como solucionar :)



3 JOANNA GABRIEL

Armadura para mim seria métodos e técnicas de me camuflarem e/ou diminuírem danos ao meu corpo; entendendo quem sou eu”, uma travesti branca, havendo intensidades e relações totalmente diferentes de uma travesti que vive em outros recortes. Aquendar a neca, raspa o xuxu (até mesmo tira na pinça), aplica 2 perlutan para inchar e dar “efeito” mais rápido, bota 500ml no Paulino, bunda na bombadeira, exemplos de armaduras que muitas das travesti utilizam hoje como armadura; a hipersexualização e a utilização compulsória de estereótipos de feminilidade heterocisnormativa é a maior forma de defesa -infelizmente -


Pode até ser viado, mas não precisa se vestir que nem travesti

Quando me assumi quanto homossexual para minha mãe - pois se você gosta de homens você somente pode ser gay, tolices -, primeira coisa que escutei foi “pode até ser viado, mas não precisa se vestir que nem mulher, parecer um travesti”, não entendi muito bem aquilo e segui minha vida. Com 18 anos comecei a questionar minha identidade de gênero e experimentar minha travestilidade, mas infelizmente não pude por completo. Trabalhava em uma empresa transfóbica e realizada e mitológico “cisplay” – ato de uma pessoa trans se “fantasiar” de cisgênero para consegui passar por alguma situação sem maiores desconfortos -, de segunda a sexta das 9hrs até as 18hrs calça jeans e blusa polo, era mais uma “bixinha afeminada” na rua, quase nem era notada; fora desse horário a indumentária era diferente: shortinho, top e um tamanco, não tinha como não me ver, assim entendi o que minha mãe quis dizer com “se vestir que nem uma travesti”.

Uma certa vez voltando de uma festa as 7hrs da manhã, um carro passou do meu lado e parou, conversamos um pouco e resolvi seguir com ele, durante o caminho ele me perguntou “Estava voltando do trabalho né?”, não entendi naquele momento, mas depois entendi que ele quis dizer que eu estava na pista fazendo programa. Aquela foi a primeira de muitas vezes que me fizeram essa pergunta, fui entender que a travesti e sua estética logo são associadas a prostiuição, local que muitas de nós acabam sendo obrigadas a ir para sobreviver. …. …. 

(finalizar fazendo conexão sobre “””””””””””””””passabilidade””””””””””””””””””””)



A dismorfia corporal e o Metaverso: Qual a responsabilidade da moda nisso?
João Damapejú
@damapeju.art
BA

Juliana Oliveira|
@juliipreta
BA

A pandemia estimulou o crescimento virtual e isso é indiscutível, o mundo de hoje é aquele que o faturamento dos e- commerces cresceu cerca de 48% e que desfiles de moda aderiram à versão digital. O metaverso é uma consequência de todo esse movimento, o mundo meta já está entre nós, e um dos maiores mercados do mundo, o mercado da moda, já despertou para o amanhã. O fato é que o mundo digital permite com que as marcas e os consumidores façam ''o que quiserem'', e é nesse sentido que uma problemática pode ser criada, ou melhor, amplificada. Isso porque o metaverso intensifica os problemas enfrentados no mundo real, dentre eles o transtorno dimórfico corporal causado usualmente por uma pressão social que impõe determinados padrões.

A moda transmite, comunica as mudanças da sociedade. Ela expressa o momento, os anseios, a cultura, os fenômenos sociais, portanto, a ética deve ser o foco principal na criação de espaços e personagens virtuais. Segundo a pesquisa do IoDF, cerca de 92% das pessoas relatam que a personalização é importante ao criar avatares virtuais. A variedade de tipos de roupas reflete os diferentes estilos que as pessoas desejam em espaços virtuais: surreal (24%), casual (20%) e alta-costura (15%). Quase 60% disseram que seu estilo “URL” (ou na web) era semelhante ou igual ao “estilo IRL” (ou na “vida real”), com 40% preferindo um estilo mais “surreal”. Mas será que a forma como iremos nos apresentar para a sociedade, as versões digitais e virtuais de nós mesmos podem mudar a forma como nos sentimos a respeito dos nossos corpos, os corpos reais? Será que a liberdade do criar se tornará uma prisão do ser?

Os padrões de beleza existem desde quando viver em comunidade se tornou possível, os padrões criados e impostos ao longo dos anos se associam a uma intensa demonstração de poder, afinal, o dito belo tem prerrogativas positivas no conjunto social que vivemos. Mas, afinal, o que é beleza, quem a define? O dito belo, na sociedade racista passa longe da estética negra (expressão entendida como conceitos e juízos de beleza baseada nas características da população negra), a definição de beleza e riqueza segue padrões brancos e europeus. Foi pela estética que nossos antepassados foram coisificados, nossos traços são associados ao não belo, mas, não belo, partindo de qual referencial? Os traços que carregamos são a nossa herança, a valorização dos mesmos é um resgate ancestral por mais que por muito tempo nos fizeram acreditar no contrário.

No contexto histórico o Brasil a mulher negra, sempre foi percebida como um indivíduo ligado ao trabalho doméstico. Já a mulher branca deveria ornamentar as casas, ser casta, respeitável e controlada o bastante para não ceder aos seus desejos. A herança da escravidão construiu uma imagem da mulher negra que a remete a condição de serviçal, ou seja, é determinado que a mulher negra não é capaz de ocupar papéis sociais de poder ou de status sociais, essa imposição social faz com que a autoestima da mulher negra se torne um processo de construção diária, construção essa que tem o cabelo como porção essencial para o resgate do se sentir belo. O Cabelo pode ser definido como a descoberta de uma força ancestral que emerge pelos cabelos crespos transcendendo o embranquecimento.

É importante questionar qual ponto de vista está sendo usado como ferramenta pra centralizar um “padrão de beleza”, sobretudo no que se refere no futuro, um futuro predominantemente digital. Será que é possível que eu, uma mulher negra e gorda, e compare a uma mulher branca europeia? Por que eu devo me comparar e acreditar no racismo que diz que esse é o parâmetro que preciso seguir? É preciso olhar para o seu corpo e sua história com mais empatia e carinho, foi nesse contexto que o nosso editorial foi construído, um corpo negro retinto, gordo, aos olhos da câmera mostrando e atestando toda a sua fluidez e beleza, a contemplação do ``ser belo`` adornando uma armadura futurista, a moda para qual mundo não pode distanciar o ser do seu corpo, do seu corpo real.

Fotos: Débora Monteiro
Modelo: Juliana Oliveira
Look e Prod. de Moda: João Damapejú
Acessórios: Tá Bom Pra Você





Joicelaene Souza
@joicelaene
ES



Jonatas Visén
@ojonnatas
SP





Jorgie Labeija
@labeija
DF







Joseane Ferreira
@jjoseaner
SP







Júlia Masoli
Júlia Oliveira
@juliamasoli
RJ




Tentativa de rompimento da moda enquanto armadura
 Juliana Amaral
@Juliana.a.m
PA

Breve relato pessoal da relação com a moda e com o futuro

A moda e o mundo que eu quero são quase a mesma coisa. Sem dúvidas, tem a mesma essência, o mesmo cordão umbilical. Meus sonhos e desejos quanto a isso são tão grandes
que os perco de vista. Como um mar sem tamanho, mas que na linha do horizonte sempre
encontra o céu.
A minha moda representa e apresenta o meu mundo, por isso eles sempre se encontram no horizonte, ainda que distante. E como descrever precisamente o que é o horizonte? O mar e o céu realmente se encontram? Talvez não, talvez sim, tudo depende. O mundo que eu quero também é difícil de descrever, é muito intuitivo. Tudo o que almejo é vida, da forma mais pulsante possível. Muito sol, praia, rio, lago e igarapé, descanso, pessoas amadas ao redor, boa comida, música, sossego. Mas a vida nunca é tão simples. Esse lugar de plenitude, para a maioria de nós, só se alcança depois de muita luta e ainda assim, é instável.
O mundo, a vida que eu quero são espaços de acolhimento e respeito a qualquer um. De
uma liberdade indescritível, que nos permita experimentar ser tudo o que tivermos vontade.
E o que poderia ser melhor do que a moda para isso? Nada tão simbólico quanto peças de
roupas marcantes, imagens montadas para o deleite e reflexão.
Mas, distante do mundo ideal, a realidade em que vivo agora, num mundo onde ser mulher cisgênero, negra, bissexual, amazônida, são marcadores sociais disfavoraveis. Portanto minha moda não é tão livre e divertida, mas sim uma aliada. É nas roupas, acessórios e todo o restante que compõem um “visual”, que construo algo que acredito ter o poder de me ajudar a passar por lugares e situações desconfortáveis, em que alguém poderia tentar
invalidar minha presença.
A minha moda é também a minha armadura. Não por escolha consciente, mas por um simples mecanismo de autodefesa espontâneo. Lembro com clareza dos poucos anos e que estudei numa escola particular de elite, da minha cidade. Tudo relacionado à moda ali, naquele ambiente, era sinônimo de poder e respeito, as calças jeans de marca, tênis e mochilas. Ainda que fossem todos crianças, esse sistema de poder era reproduzido co naturalidade. Sem esses instrumentos de poder, me sentia pequena, desprotegida e vulnerável naquele ambiente e só tive clareza disso depois que pude sair desse ciclo.
Hoje, um pouco mais consciente desses processos, vivo num cenário paralelo a este, com estruturas muito mais rígidas e bem sedimentadas, no mercado de trabalho. Dentro de um órgão público, vejo todos os dias pessoas desfilando com suas armaduras, muitas delas são de fato símbolos de poder. Por isso, não ando por aí desprotegida, consegui minh própria armadura e por mais segura que eu me sinta aqui dentro, nunca deixei de olha pelas frestas e imaginar como seria usar essas ferramentas, não em função de outros, de puro instinto de proteção.
Assim, estudar moda é como aprender uma nova linguagem, um idioma que possibilita a expressão de qualquer coisa que eu queira e não apenas aquilo que necessito. Com o  tempo, tenho me sentido cada vez mais nativa desse lugar que tem a moda como língua
mãe e gosto muito desse espaço quase lúdico.



Juliana Cofê
RJ
@anailuj.y












Kabila Aruanda
@kabilaaruanda
SP






Kamila Almeida
@oikammy
SP




Karen de Assis
@karenalmeidadeassis
ES
Mentora: Crioulla Oliveira
@crioulla




COLETIVE ADUPÉ
Joanna Gabriel
Designer de moda e modista
Niterói/RJ


João Damapejú
Professor de Artes Visuais e Designer de Moda, Figurinista e V.M.
Salvador/BA

Joicelaene Souza
Modelista, produtora de moda e arquiteta 
Serra/ES


Jonnatas Visén
Estilista e stylist
São Paulo/SP


Jorgie Labeija
Professore,  artista das cores e da corpa Brasília/DF


Joseane Ferreira
Designer e modelista
Pederneiras/SP


Júlia Masoli
Modelo, comunicadora e produtora de moda Rio de Janeiro/RJ


Juliana Amaral
Jornalista
Belém/PA


Juliana Cofê
Produtora cultural, de imagens e modelo
Rio de Janeiro/RJ


Juliana Oliveira
Designer de moda e comunicadora em mídias sociais
Lauro de Freitas/BA


Kabila Aruanda
Artista visual, designer de moda e figurinista
Cotia/SP


Kamilla Almeida
Publicitária, produtora de moda e estudante de Estilismo
São Paulo/SP


Karen Almeida de Assis
Pesquisadora autônoma de tendências e história da moda, bacharela em Direito, stylist e produtora de Moda
Serra/ES



DIREÇÃO E CURADORIA
Crioulla Oliveira
Fotógrafa, cineasta e documentarista
Londrina/PR


FICHA TÉCNICA
EDIÇÃO
Hebert Sodré
Juliana Cofê


TEXTO MANIFESTO
Coletive Adupé

VOZES DO MANIFESTO
Arissana Pataxó
Antônio Fábio
Isadora Mazzoni
Laísa Costa
Àlex Ìgbó
Amanda Nascimento


TRILHA
Jr. King


DEPOIMENTOS
Caroline Monteiro Furtado
Joseane Ferreira
Juliana Amaral
Karen Almeida de Assis
Matheus Vieira
Rayssa Aguilar
TVX


IMAGENS
Adenire
Alberto Henschel
Casa Nem
Débora Monteiro
Hebert Sodré
João Damapejú
Joicelaene Souza
Jonnatas Visén
Jorgie Labeija
Júlia Masoli
Juliana Amaral
Juliana Cofê
Juliana Oliveira
J. D. 'Okhai Ojeikere
Kabila Aruanda
Kamilla Almeida
Karen Almeida de Assis
Marc Ferrez
Marianne Fassier
Seydou Keïta
Trevor Sturman e Obakeng Molepe
TVX


APOIO
Instituto Casa de Criadores
Prata Lab